O mês de março fechou com um
recorde histórico de licenças médicas concedidas para trabalhadores, de todos os
setores, se tratarem de dependência química. Em 31 dias, 4.120 benefícios
previdenciários do tipo foram registrados pelo governo federal, uma média de
cinco afastamentos por hora.
Levantamento feito pelo iG Saúde nos
bancos de dados do Ministério da Previdência Social mostra que o aumento é anual
e gradativo. Entre 2006 e 2011, o crescimento acumulado de licenças nesta
categoria foi de 69,9%, pulando de 24.489 para 41.534 no último
ano.
Na comparação, os afastamentos por dependência química cresceram mais do que o dobro da elevação registrada de postos de trabalho com carteira assinada no País. Enquanto os empregos formais tiveram alta de 6% entre 2010 e 2011 (segundo o IBGE), as licenças deste tipo ampliaram 13,9% no mesmo período.
O álcool é a locomotiva do aumento,
sendo a droga que mais aparece como responsável por afastar do trabalho por mais
de 15 dias médicos, advogados, funcionários da construção civil, professores e
todos outros empregados com carteira assinada. Em seguida, problemas com
cocaína, maconha e medicamentos calmantes são apontados como motivos para os
afastamentos.
Para o diretor do Departamento de
Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional do Ministério da Previdência, Cid
Pimentel, a ampliação de licenças por uso compulsivo de substâncias
entorpecentes evidencia três fenômenos: "Há um evidente aumento do consumo de
drogas pelos brasileiros e isso repercute, de forma devastadora, no desempenho
profissional", diz.
"Mas há também uma maior sensibilização
por parte das empresas em reconhecer a dependência química como uma doença e não
mais como uma falha de caráter. Outra influência no aumento é o fato da
notificação estar mais precisa. Antes os casos ficavam escondidos", explica
Pimentel.
A vendedora Alice, 20 anos - atualmente
em tratamento em uma clínica de reabilitação particular - confirma que bebeu
durante o expediente por anos até ser convidada pelo chefe a buscar ajuda
especializada. Acredita que muitos clientes sentiam o cheiro etílico das doses
de pinga e cerveja, que começava a beber às 10h.
"Meu chefe falou comigo. Disse que me
daria todo apoio caso eu procurasse ajuda médica e que poderia voltar a
trabalhar depois de recuperada. Eu aceitei a oferta, pedi licença médica de três
meses, mas tenho medo de não ter mais trabalho quando sair."
Portas fechadas
O medo de Alice não seria justificado
pelas leis trabalhistas, que garantem 180 dias de estabilidade após tratamento
médico. Mas na prática, afirma o coordenador da Federação Brasileira de
Comunidades Terapêuticas, Juliano Marfim, ainda há muitas dispensas após a alta
dos dependentes.
"Há um preconceito muito forte por
parte dos empregadores e, após o tratamento, as demissões são constantes",
afirma.
"Nos nossos cursos de formação de
terapeutas para tratar de dependentes químicos, temos um número muito alto de
ex-usuários que simplesmente não conseguiram voltar para as suas funções de
origem. Eu mesmo, que estou em abstinência há 5 anos, não consegui mais trabalho
na área administrativa, onde sempre atuei. Acabei trabalhando com as
drogas."
Mauro, 41 anos, limpo há 9 meses,
também não voltou mais para o ramo comercial. "As portas se fecham", diz ele que
agora trabalha na recuperação de ex-usuários.
"Essa postura por parte das empresas
precisa e deveria mudar. Porque a pessoa para conseguir sustentar o vício acaba
desenvolvendo algumas habilidades de sedução, de improvisação, de convencimento,
por exemplo, que podem ser revertidas positivamente e exploradas no mercado de
trabalho", acredita Marfim.
Rede de
apoio
Apesar das dificuldades relatadas pelos
ex-dependentes para voltar ao mercado de trabalho, algumas empresas decidiram
criar uma rede de apoio para acolher os profissionais envolvidos com álcool e
drogas.
Por meio das equipes de recursos
humanos e de médicos do trabalho, as instituições fazem a abordagem de
funcionários com indícios de abuso de drogas lícitas e ilícitas e estendem a
oferta de terapia de reabilitação também às famílias. É o que conta Carlos
Netto, diretor de gestão de pessoas do Banco do Brasil, uma das empresas citadas
como referência pela Previdência Social na área de atendimento da dependência
química.
"Um dos nossos focos de atuação é a
reinserção do profissional encaminhado ao tratamento", conta Netto. "Ele é
gerenciado por nossas equipes e, em alguns casos, realocado em outros setores,
ficando mais próximo de casa. Entendemos que o trabalho é um mecanismo
importante na recuperação, garante não só a renda mas a
autoestima."
Relação com a
profissão
A dependência de álcool é uma doença de
múltiplas causas, influenciada pela genética, pelos hábitos, pela história de
vida e também pela ocupação profissional. Os cientistas ainda não conseguem
responder com plena certeza as razões concretas que levam uma pessoa ficar
viciada, mas as pesquisas encontram cada vez mais um elo com a profissão
exercida.
A última publicação que coloca luz
nesta relação foi feita por médicos canadenses. Realizado com 10.155
trabalhadores, o estudo avaliou as contribuições da posição hierárquica dentro
da empresa e das condições de trabalho, como salário, estresse e demandas
físicas e psicológicas, para o consumo indevido do álcool no ambiente de
trabalho.
De acordo com estudiosos do Centro de
Informações sobre Álcool (Cisa) do Brasil - que avaliaram os resultados - "o
cargo profissional é sugerido como um importante fator motivador para o uso e
abuso do álcool, muito mais influente do que as condições de
trabalho."
Executivos, diretores e administradores
de altas gerências ("upper managers") formam um grupo com padrão de consumo de
alto risco, com propensão de beber exageradamente (10 ou mais doses para
mulheres, e 15 ou mais doses para homens) 139% maior do que a apresentada pelos
trabalhadores abstêmios ou que não haviam bebido na semana anterior à
pesquisa.
No Brasil, inquérito feito pelo
Ministério da Saúde já havia constatado que as pessoas com maior escolaridade
são as que mais exageram no consumo etílico. Os dados mostram que 20,1% dos
adultos com mais de 12 anos de estudo bebem acima da média, índice que cai para
15,9% entre os menos instruídos (com até 8 anos de estudo).
Associação Nacional
de Medicina do Trabalho
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