Fonte: CNTC
No Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, a CNTC lançou a campanha Igualdade de Gênero é Dever de Casa, que versa sobre o papel da educação dos filhos no combate às desigualdades entre os gêneros para evitar os conhecidos problemas que se manifestam depois, ao longo da vida, como a discriminação da mulher no mercado de trabalho e a violência contra a mulher.
A mudança necessária é de ordem cultural e deve remexer crenças e valores forjados pela cultura machista, patriarcal, sexista que viraram senso comum, fortalecendo na sociedade mitos ideológicos socialmente construídos e reforçados por mecanismos de repressão instalados na sociedade para acomodar as regras impostas de diferenciação de gênero. Assim, repetimos ao longo da vida o que aprendemos; o que fomos condicionados a acreditar.
O que é machismo?
Foi através da força, das leis de impedimento, da falsa moral e da coerção que, historicamente, o machismo se estruturou como ideologia do sistema patriarcal, que delegou aos homens o poder econômico e o controle social. Para legitimar esse modelo, se fundamentou teorias baseadas em falsas explicações religiosas e diferenças biológicas que acabaram por classificar os homens como seres superiores às mulheres. É uma falsificação da realidade que adentrou os códigos educacionais e todos os campos da sociedade, legitimando o poder dos patriarcas.
Por isso, acreditamos que, para combater tais crenças é preciso quebrar os paradigmas educacionais dos pais e fazê-los compreender seu papel na mudança do plano mental das próximas gerações. Isso significa que os pais não só precisam compreender a natureza do problema como também transformar suas próprias atitudes e costumes para dar o exemplo no lar e fora dele.
Culturalmente, ainda predomina entre os meninos o modelo de comportamento do homem que não assume responsabilidades domésticas. Mas, é difícil convencer um menino que ele precisa arrumar seu quarto se o pai está vendo televisão enquanto a mãe e a irmã estão realizando tarefas domésticas.
Como falar em igualdade de gênero em um país que filhos e filhas não têm os mesmos direitos e deveres? Como buscar uma reflexão sobre direitos iguais em uma sociedade que reforça as desigualdades dentro do lar?
Igualdade entre meninos e meninas significará, no futuro, igualdade entre homens e mulheres. Crianças que aprendem que meninos e meninas devem ter direitos, deveres e oportunidades iguais serão adultos que saberão respeitar o outro, independentemente do fato de ser homem ou mulher.
O Diretor Secretário-Adjunto da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr), psiquiatra Carlos Guilherme Figueiredo, explica que os exemplos dos pais e são fundamentais na formulação do comportamento dos filhos.
“O mais importante na educação das crianças é o exemplo. Elas imitam comportamentos aprendidos com os adultos e com os pares. Para que uma criança não sofra preconceito é fundamental que não existam diferenças de tratamento entre meninos e meninas dentro de casa e ainda que os pais tenham direitos semelhantes e obrigações divididas de forma igualitária. Deve-se respeitar a individualidade de cada filho e se um garoto quiser brincar de boneca ou uma menina jogar futebol, deve ser encarado com naturalidade”.
Causa e efeito
O Brasil vive um retrocesso no que diz respeito à inclusão da mulher no mercado de trabalho e na política. Mas dificilmente este cenário será mudado se a cultura do brasileiro em relação aos direitos das mulheres continuar o mesmo.
Avaliação divulgada pelo “Fórum Econômico Mundial” revela que o Brasil caiu nove posições em um ranking de igualdade de gênero. O país aparece agora na 71ª colocação na lista. Em 2013, ocupava a 62ª posição.
A organização avaliou as diferenças entre homens e mulheres na saúde, educação, economia e indicadores políticos em 142 países. A Islândia ocupa o topo do ranking, seguida por outros países nórdicos.
Apesar de ter mantido a igualdade entre homens e mulheres nas áreas de saúde e educação, o Brasil perdeu posições nos índices que medem participação feminina na economia e na política. A maior queda ocorreu na avaliação que considera salários, participação e liderança feminina no mercado de trabalho.
Dr. Figueiredo faz um alerta sobre as consequências na formação da personalidade de uma criança caso ela seja criada em um lar com exemplos de direitos e obrigações diferentes entre os pais e filhos.
“Crianças educadas em ambientes onde meninos e meninas têm obrigações e direitos distintos estão sujeitas a serem adultos preconceituosos. A personalidade se forma de maneira “desajustada”, com a ideia de que alguns são cheios de direitos e têm pouquíssimos deveres, enquanto outros teriam apenas obrigações. Com frequência recusam desempenhar algumas atividades que julgam ser exclusivas do gênero oposto. Vemos, por exemplo, maridos que não aceitam dividir tarefas domésticas com suas esposas ou ainda uma mãe que não admite que o filho aprenda a cozinhar”, completa o médico.
Desde a conquista da mulher do seu lugar no mercado de trabalho, consolidou-se a expressão “jornada dupla”, ou seja: a mulher tem o seu trabalho fora de casa e quando retorna para sua casa, tem ainda que realizar todas as tarefas domésticas como cozinhar, cuidar dos filhos, lavar, passar, entre outros serviços. Diferentemente dos homens que, em geral, assumem bem menos atividades no lar. O que revela uma pesquisa inédita realizada pela Plan, organização internacional que atua na defesa de direitos da criança, é que essa jornada dupla feminina, no Brasil, começa já na infância.
“Meninos e meninas devem receber tratamento semelhante por parte dos pais, cuidadores e professores e isso inclui ter os mesmos direitos e deveres em qualquer ambiente. A igualdade entre os gêneros deve ser trabalhada principalmente na infância, momento em que os conceitos são formados e internalizados, determinando personalidade e comportamentos”, afirma Dr. Figueiredo.
Intitulado “Por ser menina no Brasil: crescendo entre direitos e violências”, o estudo ouviu 1.771 meninas de 6 a 14 anos nas cinco regiões do país e constatou uma desigualdade gritante na distribuição de tarefas domésticas entre meninas e meninos. Para se ter uma ideia do tamanho desse abismo, 81,4% das meninas relataram que arrumam a própria cama, tarefa que só é executada por 11,6% dos irmãos meninos. 76,8% das meninas lavam a louça e 65,6% limpam a casa, enquanto apenas 12,5% dos irmãos lavam a louça e 11,4% limpam a casa.
De acordo com a procuradora do trabalho, Dra. Liziane Mota, a expressão “trabalho de mulher” define, já dentro de casa, o preconceito a que meninas são submetidas e é determinante para a criação de uma cultura que não coloca homens e mulheres no mesmo patamar de direitos e deveres.
“É necessário uma mudança de ordem cultural para desnaturalizar estas questões e retirar do campo da questão biológica ou sexual. É no campo da cultura que se travam as diferenças. Temos uma cultura machista onde há uma divisão sexual do trabalho, onde o trabalho dos homens é muito mais valorizado do que o das mulheres. Filhas e filhos não têm as mesmas obrigações e direitos dentro de suas casas.
As mulheres crescem em uma sociedade em que tornou-se natural receber remuneração menor, onde as tarefas cansativas e repetitivas são relegadas às mulheres e aos homens as tarefas intelectuais. As mulheres ainda trabalham em tempo parcial enquanto os homens têm outra ascensão nas promoções. A mulher tem dificuldade tanto no acesso a determinadas carreiras como na ascensão e promoção. É uma questão cultural a ser mudada”, afirma a procuradora.
Recentemente o papa Francisco criticou a sociedade machista que não deixa espaço para a mulher, durante o encontro que teve na Universidade São Tomás de Manila, nas Filipinas, diante de dezenas de milhares de jovens. Francisco lamentou a “pouca” presença de mulheres na cerimônia e assegurou que “as mulheres têm muito que nos dizer na sociedade de hoje”.
“Às vezes somos muitos machistas e não deixamos lugar para a mulher, mas a mulher é capaz de ver as coisas com olhos diferentes dos homens”, acrescentou o pontífice.
Para a CNTC (Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio) a garantia da igualdade de Gênero passa por igualdade salarial entre homens e mulheres que desempenhem a mesma função; Igualdade de oportunidade de tratamento e de acesso ao trabalho às mulheres em relação aos anúncios e às vagas de emprego; Inserção de cláusulas que contemplem igualdade de gênero nas convenções coletivas de trabalho; Promoção da capacitação de mulheres (dirigentes, trabalhadoras e associadas), saúde da mulher e família. Combate e punição irrestritos às práticas de assédio moral e sexual contra as mulheres no ambiente de trabalho.
“Nossa campanha tem o objetivo de alertar para a importância de combater o preconceito dentro da família, desde a tenra idade, confrontando os condicionamentos dos pais. Não adianta a mulher buscar igualdade de gênero no mercado de trabalho se em casa ela sofre os mesmos preconceitos. É uma mudança cultural pela qual a CNTC vai trabalhar ativamente no sentido de educar e conscientizar os trabalhadores e trabalhadoras de seu papel”, afirma a presidente da Coordenadoria da Mulher da CNTC, Elizabete Madrona. “O que ajuda na questão educacional é mudar o cotidiano. As responsabilidades domésticas devem ser de ricos e pobres, meninos e meninas”, completa Madrona.
Dicas para aplicar a igualdade de gênero em casa:
Dar o exemplo
Não dá para falar em igualdade de gêneros com as crianças se os adultos não aplicam na prática o que falam. Em outras palavras, os pais precisam dar o modelo, dividindo, por exemplo, as tarefas domésticas: é tarefa tanto do pai quanto da mãe lavar a louça, assim como tanto o pai quanto a mãe têm capacidade para trocar o pneu do carro.
Dividir Tarefas
Desde pequenas, as crianças devem ser ensinadas a realizar tarefas para ajudar nos cuidados com o lar. E essas tarefas devem ser divididas igualmente entre meninos e meninas.
Eliminar preconceitos
Sem essa de que futebol é coisa de menino e balé é de menina. Hoje em dia há cada vez mais meninas interessadas em jogar bola e não há nada de errado em um menino que goste de dançar.
Não reforçar estereótipos
Também nas brincadeiras e nos brinquedos que dão para os seus filhos os pais têm uma oportunidade de ensinar sobre a igualdade de gêneros. Não quer dizer que o pai deva comprar uma boneca para o filho e querer que ele brinque com ela contra a vontade. Mas quer dizer que deve aceitar e tratar de forma natural se o menino pedir um brinquedo classificado como “de menina”. O mesmo, claro, se aplica às meninas.
Esquecer os jargões machistas
“Meninos não choram”, “rosa é cor de menina”, “lugar de mulher é na cozinha”. Quem nunca ouviu frases como essas? Elas estão entre as ideias que ressaltam o preconceito em relação aos papéis masculinos e femininos na sociedade.
Conversar sempre
Se em uma discussão entre crianças, um “xingar” o outro de “mulherzinha” ou de “gay”, é hora de entrar em cena para ter uma conversa com o grupo. É preciso mostrar que com essa atitude eles estão tendo um comportamento de preconceito: mulheres e homossexuais precisam ser respeitados e essas palavras não podem ser usadas como xingamento.
Orientar os filhos em cada fase
O respeito deve estar presente quando as crianças crescem e iniciam seus primeiros relacionamentos amorosos. Nessas horas cabe ensinar aos filhos sobre as mudanças que seus corpos estão sofrendo e sobre o respeito que devem ter por seu próprio corpo e pelo do outro também.
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